sábado, 23 de julho de 2016

Diário Médico: Receita Médica







Quando os olhos e ouvidos são atentos; algumas receitas tornam - se especiais.

Aos 77 anos, entrou em meu consultório uma senhora de pele queimada pelo sol, dedos longilíneos, encurvada e sorridente. Desejei bom dia logo a porta de entrada e convidei que se sentasse. Como era o nosso primeiro encontro, quis saber sua idade e o motivo que levara a consultar-se. Um pouco acanhada, tirou da sacola plástica dois remédios e me entregou. Olhei, para a folha que continha a sua assinatura, procurando rapidamente por sua idade e nome assinado. Ali, tinha a digital de seu polegar, carimbada. Perguntei com quem ela morava,"só com Deus, Doutora! Eu e Ele". Sorri. Senti um nó na garganta, porque ainda soube que aos 77 anos a minha paciente trabalha em lavoura cafeeira. Mantive a conversa. Quis saber se alguém separava a medicação para ela, preocupada em como ela estava tomando, se os horários eram certos. Ela me disse, timidamente que, os identificava pela cor e tamanho. "Sei ler, não... Não tive nem a quarta série". Segurei a cartela de comprimido laranjado e pedi que me dissesse o horário de uso. "Ah. esse é de dia". Uma outra pontada em meu peito. Aquele deveria estar sendo usado à noite impreterivelmente. Então, tive uma ideia. Pedi licença e sai. Fui até a sala da enfermagem a procura de esparadrapo. Voltei rapidamente ao consultório. A senhora continuava sentada, magra, encurvada, com um olhar de quem não entendia o que estava acontecendo. Passei as mãos em suas costas, ao dar a volta para me sentar na cadeira à sua frente. "Pronto! Tive uma ideia para te ajudar!". "Mais o que é, minha filha?". Neste momento ela sorria. Então, expliquei que, para o remédio do dia eu desenharia um sol no esparadrapo e o colaria em sua medicação e que o desenho da estrela com a lua era para o remédio da noite, que dessa forma não haveria erro e facilitaria o uso. Neste instante, ela se iluminou, ficou mexendo em seu assento, inquieta, me abençoando. "Como a doutora pensou nisso assim?". "Ninguém tinha feito isso antes, minha filha.". "Deus te proteja. Eu já vou indo, porque tem muita gente lá fora te esperando. Mas estou feliz." 

Penso: Feliz, Dona Maria, fiquei eu. Mais que feliz, senti-me realizada, porque eu escutei seus sinais. Eu que a abençoo, porque nesta simplicidade aprendo a ser melhor.

Digo a ela: Vai com Deus, Dona Maria.

Ouço: Fica com ele, minha filha.