quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Saudade


"Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar"

Eu não tenho medo do tempo e nem menos de envelhecer e apresentar marcas de minha idade. Eu não tenho medo de amadurecer e tornar-me o que não sei ainda, mas que tenho traçado e me tornado.

No dia em que você me faltou pela primeira vez, 11 anos atrás, abriu um buraco em meu peito e me faltou sangue pulsando no corpo inteiro. Na noite anterior, ficamos conversando por longas horas de madrugada, você me deu boa noite e depois, dois segundos depois, parou na porta da sala, voltou e me beijou a testa. Eu me recordo desse beijo e sinto o frescor de menta fresca se eu esfregar minha testa. E não há um dia sequer que eu não me lembre de você e não sinta saudades de seus olhos azuis cuidando dos meus castanhos, do seu sorriso me fazendo sorrir e dos seus braços a me abraçar. 

Sinto saudade do que não pudemos fazer juntos, das férias que não tivemos, dos conselhos que não pude ouvir e da voz a me chamar. Quando sonho contigo, te abraço. Quando você me passa as mãos no cabelo, costumo ter os olhos lacrimejantes quando acordo, mas sempre sorrio, pois sei que esses instantes funcionam como uma ponte... De certa forma nesses momentos seu abraço e sopro de vida chegam até mim. Ainda me pergunto se você, em carne, viveria tão pouco. E ainda, se assim o fosse, seria egoísta por te querer comigo e o amaria com a mesma intensidade, meu doce irmão.

Tua vinda, rápida como cometa, me furtou alguns sonhos, contudo me deixou mais forte, mais justa e mais serena. Não digo que não doa, porque em alguns dias eu tenho vontade de arrebentar o que estiver na minha frente pra ver se esse tipo de dor suplanta a da perda. Mas depois passa. Depois que já doeu tudo que tinha, depois de eu ter gastado todas as reservas de dor em meu corpo, eu reconstruo outros sentimentos: do amor e da paz, pois durante todos os meus dias você carrega o meu coração. E além do mais, nessa efemeridade da vida, tenho certeza que ainda nos daremos outros tantos abraços apertados. E eu teria feito de mim a sua concha, pois perder alguém cedo demais é passar a conjugar muito mais o futuro do pretérito. Você deveria estar aqui, não somente em forma de luz. Amo você, Ju. E sei que dai, das estrelas, você está bem melhor.

Então: amar é estar sujeito a aprender também a abrir mão. Aprender que pessoas não são imortais, que certas partidas não duram algumas horas, uma pôr-do-sol, um mês... Como também, mesmo que se deseje (em demasia) guardá-las por proteção, não há como encerrá-las em lugares totalmente seguros.

Por isso amem! E digam que amam e que se importam! Valorizem as pessoas que estão a sua volta. Sorriam ao inusitado, ao desconhecido. Tenham e somente guardem boas recordações. Não se desfaçam de um pedido de desculpa, atendam as ligações ou ao menos as retorne. Mandem cartas, escrevam no final dos cadernos e nas anotações de alguém dizendo que você o adora. Isso faz bem a alma, diminuem as dores e é saudável. Não tenham medo de parecerem tolos aos olhos dos que somente passam pela vida. A nossa travessia é bastante importante. Não a deixe ser intermitente. “Viver carece de ter coragem”.



Dedicado a meu irmão que me fez feliz e que hoje me cuida do céu.
Jorge Luiz (26/04/1980 - 04/12/2003)

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Strange Fruit - a fruta amarga do racismo




A foto trágica, e famosa, que inspirou Strange Fruit

Embora o tema seja antigo, não consigo imaginar (e muito menos aceitar e entender) como num mundo de tanta diversidade e encontros se desenvolvem pessoas preconceituosas. Podemos, sim, ter preferências, mas não devemos impo-las a ninguém.
O meu "errado", pode ser o seu "certo" e mesmo assim saberei te respeitar sempre.

L.



Sobre a música:


Strange Fruit é uma canção inquietante, que sempre provocou adesões fervorosas e rejeições ferozes quando era apresentada. Por um motivo simples, como registra Margolick (David Margolick, autor do livro Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção, editora Cosac Naify): ela confronta uma nação (os Estados Unidos) com seus fantasmas mais cruéis. Foi “o primeiro protesto relevante em letra e música, o primeiro clamor não emudecido contra o racismo”.

A “fruta estranha” do título e da letra é o corpo dos negros linchados e enforcados em alguma árvore, onde ficavam sangrando, balançando ao vento. O linchamento de negros, e outras pessoas acusadas de algum crime, era uma espécie de ritual amplamente aceito. Um levantamento conservador indica que, entre 1889 e 1930 ocorreram 3.833 linchamentos, 90% dos quais no Sul, e a imensa maioria eram negros. “Linchamentos tendiam a ocorrer em cidades pequenas e pobres, muitas vezes tomando o lugar, como disse certa vez o famoso jornalista H. L. Mencken, ‘do carrossel, do teatro, da orquestra sinfônica’”.


Era uma perversa e feroz “diversão” popular. Essas pessoas morriam em resposta a uma série de supostos crimes, “não apenas assassinato, roubo e estupro, mas também por insultar uma pessoa branca, por se gabar, por falar palavrão ou comprar um carro. Em alguns casos, não havia infração alguma: era apenas hora de lembrar aos negros ‘metidos’ que eles deviam saber qual era seu lugar.


Margolick endossa a suposição de que a inspiração da canção Strange Fruit tenha sido uma fotografia que, desde a década de 1930, tem sido uma inquietante denuncia visual daqueles crimes coletivos: o linchamento de dois homens negros ocorrido em Marion, Indiana (no Norte, portanto, e não no Sul...). A foto foi amplamente usada como denúncia contra o racismo e Meeropol provavelmente escreveu seu primeiro poema sobre o assunto inspirado nela, que foi publicado no jornal sindical The New Yorker Teacher, em janeiro de 1937.

A música, composta por Abel Meeropol no final de 1937, foi gravada originalmente por Billie Holiday em abril de 1939 e logo apresentada em público no Café Society, uma espécie de clube noturno que reunia socialistas, comunistas, sindicalistas e democratas em Nova York (foi fechado, no começo da década de 1950, pelos caça-comunistas liderados pelo direitista chefe do FBI, J. Edgar Hoover). Foi um choque. Em sua autobiografia, a própria Billie Holiday registrou o impacto: quando terminou de cantar: silêncio total; “então uma pessoa começou a aplaudir nervosamente e, de repente, todo mundo estava aplaudindo”.

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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Gentileza















Por Dicionário inFormal:

"Delicadeza, cortesia, amabilidade, cordialidade.
Gentileza - Capacidade de perceber uma necessidade de alguém e (ou) retribuir algo que lhe foi feito, sem ser pedido. Ou seja: ser educado é ser gentil." 

Ou quando no momento exato de dormir, ele, gentilmente, se recosta sobre suas costas e lhe vira o rosto, beijando-na carinhosamente, entrelaçando as mãos e dando-lhe boa noite.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre acreditar na esperança


Hoje, passando visita no leito de Dona Marieta, uma senhora de quase noventa anos, que "repousa" ali (no Hospital da Baleia) há alguns meses, um grilo verde adentrou o quarto e pousou na beira de sua cama. 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Dos caminhos percorridos



Prados, 13 de junho, de 2014.

A apenas alguns dias do início das férias me vejo em uma nova despedida: das pessoas queridas que aqui em Prados conheci. Esta é uma “despedida”, sim, inevitável, devido ao caminho que ainda tenho que seguir, mas junto vem o desejo de novo reencontro, breve, que seja! Confesso que ainda não comecei “embalar” meus pertences, nem tampouco a arrumar as malas ou a encaixotar tudo que preciso para meu novo destino: Belo Horizonte. Confesso que esta semana meus olhos se encheram d’água por diversas vezes, não querendo partir, mas precisando seguir viagem.

Neste semestre a vida em Prados foi diferente de tudo o que eu estava acostumada, a rotina foi outra. Esta cidade ainda tem um pedacinho do céu: vejo isso no bom dia que recebi pelo caminho de pessoas que não me conheciam, das portas e janelas abertas de frente para a rua sempre nos convidando a entrar, da pracinha cheia nos finais de semana e dos famosos bailes da UCA...

O caminho para chegar até aqui não foi fácil: foram anos de estudo, muita abdicação e esforço. Muitas vezes, abri mão de alguns desejos para que pudesse realizar o sonho de tornar-me médica. E tornar-se médica, para mim, não significou nunca estudar para tirar boas notas na faculdade e passar para o período adiante. Notas, apesar de necessárias, não nos fazem ser melhor, não prova o nosso conhecimento e técnica. Para sermos completos, precisamos (além de muito estudo e disciplina), humildade para aprendermos com os que estão a nossa frente (independente da profissão), força de vontade para aprender com os erros, paciência e o principal: o amor ao ser humano. E este é o amor que que me faz querer sempre aprender mais para ajudar sempre mais.

Um dia antes da reunião em que escolhemos a cidade, a qual devemos vir para o nosso estágio de saúde coletiva (o internato rural), já estávamos “estressadas”, pois apesar de sempre querer estar nesta etapa dos estudos (e tão mais próximo à formatura) tínhamos receio de onde poderíamos chegar (receio principalmente por não sabermos como poderíamos ser recebidos, com quem encontraríamos, onde ficaríamos...). Muitas vezes, em conversa com Julyanna (meu par de internato), principalmente na véspera da escolha (que dura cerca de dois minutos por dupla) dizíamos “vamos rezar a Deus para irmos para uma boa cidade”. E Deus atendeu as nossas preces e nós duas chegamos a conclusão (após algum tempo morando em Prados) que não foi a gente que escolheu esta cidade, mas o contrário (e com a Mãozinha de Nosso Senhor): Prados nos escolheu. Talvez por isso os seis meses com vocês, pessoas especiais, passaram rápido e antes mesmo de nossa mudança já sentimos saudade.

Eu queria então falar de algumas raízes e asas. Um sorriso acanhado do primeiro , um abraço tímido do segundo, um ar estabanado do terceiro, uma gargalhada do quarto. Não são somente quatro pessoas, são algumas mais. Muito mais: são pessoas maravilhosas que conheci no caminho da Quebra Castanha, no Posto de Saúde e na Santa Casa.

Daqui levo alguns amigos roubados, conquistado com o tempo ou com a convivência. Levo os sorrisos e as alegrias de vocês em minha bagagem. Levo aprendizados, como por exemplo, como podemos aproveitar a vida de forma simples, dando valor aos sentimentos. Levo choros também, choros estes de saudade antecipada. Levo desejos de um futuro bom a todos que por mim passaram e que me acrescentaram e me ensinaram.

Eu queria dizer a vocês uma benção irlandesa a qual muito gosto, um mínimo pedacinho diz mais ou menos assim: “e até que de novo nos vejamos, que Deus os guardem na palma de Sua mão”. Mas disso eu também não tenho dúvidas: vocês tem um lugar no céu e Deus sempre estará olhando por cada um de vocês.

As despedidas doem. Contudo, somente machucam quando temos a certeza de que o momento vivido foi bom. São, antes de mais nada, lembranças antecipadas, porque a partir de amanhã não nos veremos diariamente. E então temos um outro recomeço. Temos novamente que respirar e rearrumar a casa, para que a ausência, antes tão presente, seja uma lembrança doce e boa. Por isso, lembro ainda que “tem coisas que não queremos que aconteça, mas temos que aceitar. Coisas que não queremos saber, mas temos que aprender. E pessoas que não podemos viver sem, mas temos que deixá-las partir." Por esse motivo: não é exatamente da cidade de Prados que vou sentir saudade. Não. Na verdade, são as raízes que plantei aqui que me farão sentir falta.

E desse dia em diante, prometo que quando possível for e a saudade tornar-se insuportável, voltarei aqui, para a cidade que também torno-se o meu lar para mais uma vez poder reencontrá-los.

Com todo carinho do mundo, meu muito obrigada por vocês terem me recebido com muito amor. Saibam que vocês carregam o meu coração e que serei eternamente grata pela acolhida que aqui encontrei.

Um beijo grande,

L.


Esta foi uma carta que escrevi para a cidade de Prados - MG, que me acolheu por seis maravilhosos meses. Neste tempo pude colocar em prática não só os conhecimentos médicos, mas os valores que me foi passado desde criança. Foram seis meses inesquecíveis. Foram dias que levarei onde a Medicina me chamar. 

sábado, 26 de abril de 2014

Para meu irmão


"Mas as coisas findas 
muito mais que lindas,
essas ficarão"


Meu agridoce Abril, tu sempre pegando peças em meu coração. 

Ontem, estávamos "quase" todos juntos em dois carros (meus pais, irmãos, cunhado e sobrinhas) indo fazer um passeio em Tiradentes. Saindo do trevo de Prados, um ônibus surgui em nossa frente e todos devem ter tido a sensação semelhante a que eu tive: primeiro, um aperto no peito; segundo, um sorriso nos lábios; terceiro: os olhos brilhantes por algumas lágrimas que a gente tenta disfarçar. Então, minha mãe foi a primeira a dizer que todo ano, ela e meu pai sempre estão em um lugar diferente nesta data e nunca é algo planejado e que isto deveria ser coisa d'Ele. Eu sorri e tentei disfarçar o tom (quando a gente sente um bolo na garganta e se sente pequenininho). 

Lembrei-me daqueles olhos azuis claros, daquele cabelo preto macio, daquele sorriso brilhante, daquelas mãos bonitas e de nossas conversas. Pensei ainda que, sendo ontem, ele me pediria para fazer pizza pra ele hoje. Sempre fazíamos em seu aniversário (porque ele sempre me pedia a mesma coisa  e eu gostava de testar meus "dotes" culinários). Pensei num abraço apertado que ganhei num dia, na porta de nossa casa, quando eu estava chorando (e olha que isso eu não costumo fazer na frente de ninguém) e ele falou "esquenta com isso não, Lalá". Vi os seus desenhos. Vi Branca e Minotauro. Vi seu Skate. E quase cheguei a sentir o seu perfume. 

Neste ano, ainda você é mais velho do que eu. Acho que nunca vou querer ultrapassar a sua idade... Ainda você é (e sempre será) muito melhor do que eu. E como não poderia deixar de ser te envio o meu melhor abraço, o meu melhor sentimento e o meu melhor carinho. E se eu te dizer "Deus te proteja", sei que Ele o está e que você se encontra muito mais perto d'Ele do que eu. 

Ontem o nosso carro estava completo. Creio que esses pequenos acasos do coração são alguns "descuidos cuidados" que a Vida nos proporciona para nunca perdermos a fé. E pode durar o tempo que for, acredito que ainda nos daremos outros abraços apertados outra vez, meu doce irmão. 

E como eu sempre disse  e guardei comigo "as pessoas não morrem, ficam encantadas". E você para mim está assim, além de jovem e belo. Te amo, Ju.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Falando sobre cegonhas

O primeiro caso de onde vem os bebes



"Já sonhei nossa roda gigante esconde-esconde em você
Já avisei todo ser da noite que eu vou cuidar de você
Vou contar histórias dos dias depois de amanhã
Vou guardar tuas cores, tua primeira blusa de lã"


Dia desses, dando banho em Clarinha (minha sobrinha de três anos de idade), em um determinado ponto de nossas infinitas conversas ela me disse que uma amiga da mamãe tinha um bebe na barriga. Eis o desenrolar dos fatos: 

- Tia Lalá, você também tem um bebe na barriga?

- Não, Clarinha, a dindinha não tem um bebe na barriga. 

Ela parou e ficou me olhando, como se faltasse mais detalhes em minhas palavras, curiosa, enquanto o vapor d'água embaçava o box de vidro e fazíamos desenhos nele. 

- Mas por que você não tem um bebe na barriga, dindinha?

E me encarou, desejando sua resposta imediata. Sorri. 

- A dinda não tem um bebezinho na barriga pois eu ainda não casei, como a sua mamãe e o seu papai que tem você e Helena. 

Pensei que ao dizer isso, dessa forma, ela entenderia ao menos um pouquinho, sem ter que entrar em méritos e detalhes maiores. Se fosse com uma sobrinha já adolescente o papo teria sido outro, a dinda teria explicado várias coisas e dado alguns exemplos. Nesse ínterim veio outro porquê. 

- Mas por que você não casou ainda, dindinha Lalá e não tem um bebe na barriga?

Quando ela me chama desse modo eu me derreto (e pior seria se ela tivesse dito Dindinha Lalazinha, porque geralmente minha querida bailarina me chama assim quando quer muito me adular). E eu teria esquecido de seus três anos de idade. Gentilmente, sorri e disse (imaginando mil e uma respostas improprias a sua idade): 

- A dinda não tem um namorado pra ter um bebe na barriga, Pequena, como a mamãe e o papai! 

Pensei que ela entenderia dessa vez... Então, Clarinha brincou  mais um pouco em sua banheira e eu continuava ao seu lado dando-lhe banho. Ela bateu ambas as mãos dentro da água, chacoalhando-na, e estendeu suas pequenas mãos em minha direção, em forma de concha (como se tivesse acabado de ter feito magia) e emendou: 

- Dindinha, agora você já pode ter um bebe na barriga. Toma aqui seu namorado!

Eu agradeci, fiz cara de surpresa e disse a ela que ele era lindo! Que ela tinha escolhido muito bem pra tia. Ela sorriu toda orgulhosa e disse como fim de papo: 

- Pode beijar ele, titia! 

(E quando eu digo que esses são os pequenos descuidos da vida, onde encontramos a verdadeira felicidade, com Clara e Helena minha alegria se tornam mais doces)