segunda-feira, 25 de março de 2013

Quase como andar de bicicleta



"Depois, um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele.
Guardei a minha no bolso. 
E fui."


Eu ainda me pergunto como você tem cortado seu cabelo, porque eu gostava dele maior. Se ainda tens andado de moto nos finais de semana. Se a tatuagem da perna foi terminada. Se vendeu a casa ou se começou o mestrado.


Eu ainda me pergunto o motivo pelo qual nunca te ofendi, nem verbalizei (in)corretamente todo o meu comedimento e descrença. Vai saber. Eu não te mandei ir a merda. Deveria. Deveria? Não, não sei mais ( o momento já passou). Apenas seguimos os nossos caminhos. Uma droga não ter podido te abraçar. Talvez eu tivesse sentido falta não do cheiro do perfume, mas do corpo. Não dos dentes, mas da boca. Não da falta de conversa, mas do diálogo.


A sensação foi a de uma mulher grávida prestes a dar a luz a um prematuro, ou tido a bolsa rota no meio do transito, no meio da missa, no meio da prova. No meio do nada. Se tivesse sido uma pequena cirurgia eletiva, não teria sentido tanto. Sabe por quê? Porque essas cicatrizes costumam ser mais bonitas, retilíneas e nós sabemos dizer a história pregressa da nossa dor. E em um acidente, o que fazem é tentar juntar os pedaços, colocar as pontas nos lugares e suturar, tentando tornar o corpo/a pele/ a alma mais equilibrados. E nesses casos nunca sabemos dizer o momento exato do impacto e a única palavra que mais se houve deve ser "não foi por querer".

E assim, todos nós passamos de um per, para um pós operatório. Um remendo dado (muitas vezes mal feito) e uma sala para verificarmos se os nossos dados vitais estão nos valores de referência desejáveis. E quando teremos alta? Quando julgarem que não corremos mais risco. E quando não corremos mais riscos? Não sei te dizer, pois a cada abrir de olhos, a cada respiração, a cada pensamento é para mim um novo risco. E vamos assumi-los. E vamos muitas vezes desorientar algumas pessoas, assim como também farão conosco... Mas se respirarmos fundo e retirarmos toda essa nuvem cinzenta da frente, veremos que numa sala de espera, pode haver alguma pessoa preocupada com você. E essa pode te ajudar a passar o filtro solar nas cicatrizes que você não alcança (não digo ficar trocando o curativo) e nesse momento você descobre que: se não tivesse quebrado a cara naquele momento, nunca teria descoberto a possibilidade de reabilitação. Digo, de novos cortes de cabelos, de ter vistos cabelos mais bonitos, de ter ousado desenhar outras tatuagens e de ter andado na garupa de outras motos.

A escolha é nossa. Não é porque está doendo que não vai sarar.

É algo como andar de bicicleta: você cai, machuca e jura nunca mais montá-la. Mas passado o susto, o primeiro impacto, você tentará de novo (pode ser que demore algumas horas, dias, meses). Pode ser que nesse momento  queira usar um capacete, uma joelheira, uma cotoveleira para se proteger e recomece a dar pequenas pedaladas, indo de quarteirão a quarteirão, sempre na reta e próximo ao meio fio. Até que, novamente, você tenha vontade de sentir aquela brisa no rosto, a mesma de quando estava em uma determinada velocidade e se arrisque um pouco mais e tenha coragem de descer o morro outra vez.